Insolvência Pessoal
A insolvência pessoal é utilizada pelas pessoas singulares que se encontram incapazes de cumprir as suas obrigações vencidas.
No âmbito da insolvência pessoal há duas situações possíveis: a insolvência com a exoneração do passivo restante ou a insolvência mediante o cumprimento de um plano de pagamentos.
A exoneração do passivo restante permite às pessoas singulares o perdão das suas dívidas que não tenham sido plenamente pagas no processo de insolvência após a liquidação do património do devedor ou nos 5 anos posteriores ao encerramento do processo.
O pedido de exoneração do passivo restante deverá ser expressamente formulado no processo de insolvência. Note-se que para a exoneração do passivo restante ser concedida é necessário que não haja nenhum motivo impeditivo.
Caso o tribunal não verifique algum impedimento, isto é, caso não haja motivo para indeferimento liminar do pedido é proferido despacho inicial de exoneração. Assim, o devedor terá que ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário (administrador judicial) que exceda o montante que for fixado pelo tribunal, montante esse que corresponde ao valor necessário para o sustento digno do próprio insolvente e do seu agregado familiar e o montante necessário para o exercício da actividade do devedor.
No fim do período de cessão de 5 anos e cumpridas todas as injunções legais, é proferido despacho final de exoneração, ficando o devedor isento de quaisquer dívidas ainda não pagas.
Contudo, o devedor não se pode exonerar de todas dívidas, pois algumas ficaram excepcionadas, como as dívidas às Finanças e à Segurança Social, contudo estas instituições ficam impedidas de, no referido período de 5 anos, procederem a qualquer tipo de penhora.
No que respeita ao plano de pagamentos, o devedor pode apresentar o seu pedido de insolvência com uma proposta para plano de pagamentos (ex: perdão de parte das dívidas, alargamento do prazo para o cumprimento dos débitos, isenção de juros, etc). Este plano terá de obter o acordo maioritário dos credores (65%) e depois é sujeito a homologação do juiz.
Pretende-se, pois, conceder ao devedor pessoa singular uma verdadeira segunda oportunidade de recomeçar a sua vida económica.
Obviamente que este processo de insolvência de pessoa singular tem múltiplas e complexas vicissitudes, daí que a JSL tem todo o gosto em poder ajudá-lo na melhor solução, inclusive recorrente a procedimentos preventivos e extrajudiciais.
A ausência de rendimentos e de bens jamais poderá impedir a concessão da exoneração do passivo restante, pois penalizaria o devedor insolvente mais carenciado
O período conturbado (pandemia, guerra na Ucrânia, subida do preço das matérias-primas, alimentos, combustível e aumento da inflação e taxas de juros) que presentemente vivemos determinará, a par do défice das contas públicas, o aumento do sobreendividamento das famílias portuguesas que já revelarão incapacidade patrimonial para satisfazer pontual e regularmente as suas obrigações.
Muitos cidadãos já se encontram em situação de empregabilidade precária ou na iminência de ficar desempregados, sendo que muitos já foram acometidos por este flagelo social. Por esta razão coloca-se a questão de saber se um cidadão, que aufira parcos rendimentos ou não os receba e/ou não detenha bens para serem vendidos e com o produto da venda satisfazer interesses dos credores, pode beneficiar da exoneração do passivo restante, depois de se apresentarem à insolvência.
Alguns poderão deter critérios legais para recorrer ao Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobreendividamento (SISPACSE), PERSI ou ao Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), todavia, a maior parte das pessoas singulares (empresários ou não) ver-se-ão forçadas a apresentarem-se à insolvência, designadamente requerendo a exoneração do passivo restante, por estarem já em situação de insolvência ou na iminência da mesma.
Esta medida inovadora relativa à eliminação dos débitos pretendeu conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas dívidas com vista à sua reabilitação económica.
O princípio do fresh start (começar de novo) para as pessoas singulares de boa fé, honestas, mas desafortunadas, traduz-se na concessão ao devedor de um «azeramento» dos seus débitos, ao fim de três anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência declarado especificamente para o efeito do início do período de cessão.
Para que tal aconteça, o devedor, no decorrer no período correspondente a três anos, apelidado de «período de cessão», encontra-se adstrito ao cumprimento de inúmeras obrigações, de entre as quais, se destaca a de ceder o rendimento disponível a um fiduciário nomeado pelo Juiz, o qual afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. Com efeito, a concessão desse benefício impõe e exige do devedor uma conduta correcta, informante, colaborante e de boa fé, quer no período anterior à insolvência, quer durante o período de cessão.
No termo deste período, e tendo o devedor cumprido todos os deveres que sobre ele impendia, será proferido o despacho final de exoneração, o qual o libertará das eventuais dívidas que ainda se encontrem pendentes por falta de pagamento.
O processo de insolvência tem por finalidade o pagamento dos créditos da insolvência na medida em que o património do devedor o garanta. A insolvência de pessoa singular só deve ser perspectivada por aquilo que o devedor pode efectivamente pagar aos credores, dado que o principal objectivo deste processo é assegurar a dignidade da pessoa do devedor durante todo o processo de insolvência, durante o período de cessão e depois deste findar.
Para isso é importantíssimo que seja atribuído ao devedor um rendimento indisponível suficiente ao seu sustento e do seu agregado familiar. Se este rendimento for o único que o devedor aufira e este não detenha quaisquer bens para serem vendidos, dar-se-á o caso de nada haver para pagar aos credores.
Com efeito, importa não esquecer que a exoneração do passivo restante não visa, em primeira linha e nuclearmente, a satisfação dos credores, pretende, sim, assegurar ao devedor, e em seu benefício, a possibilidade de se libertar das dívidas que contraiu no quadro de boa fé, com vista à sua reabilitação económica, financeira e social, já que o insolvente honesto e de boa fé, perante a sua situação precária, necessita de forma evidente que seja assegurada a sua recuperação e reabilitação económico-financeira.
Assim, a ausência de rendimentos e de bens jamais poderá impedir a concessão da exoneração do passivo restante, pois penalizaria o devedor insolvente mais carenciado, “empurrando-o” para uma situação mais difícil. Inclusive seria injusto, por não igualizarmos à luz da lei, que este devedor em situação mais difícil relativamente a outros, por poderem dispor de alguma parte do seu rendimento e de bens, já estariam em condições de se libertarem das suas dívidas, adquirindo o tão desejado «começar de novo».
Note-se que nada na lei impõe que o devedor insolvente, para poder recorrer a este instituto, tenha necessariamente que possuir bens ou auferir rendimentos suficientes, com vista a ceder aos credores. O Código da Insolvência apenas exige o cumprimento de obrigações destinadas a demonstrar que, além de ter sido honesto e de boa fé antes do processo de insolvência, também o foi durante o mesmo e durante o período de cessão.
Em suma, a exiguidade ou inexistência de rendimentos ou bens não constitui fundamento, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante, o qual será sempre devido se o devedor demonstrar ter actuado sempre de boa fé, correcta e honestamente.