A PRESCRIÇÃO DAS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS
Uma garantia do contribuinte transformada num labirinto jurídico e burocrático – PARTE 1
A prescrição das prestações tributárias – incluindo-se os impostos, taxas, contribuições e cotizações para a Segurança Social – deveria ser considerada pelos cidadãos, pelas entidades públicas credoras de tais obrigações e pelos próprios Tribunais como uma figura jurídica integrante de um elementar leque de garantias que são umbilicais à própria concepção e ideia de Estado de Direito Democrático.
No entanto, por força de um emaranhado legislativo, a que se soma um iníquo entendimento dos Tribunais que decidem estas matérias, esta garantia dos contribuintes tem sido propositada e concertadamente votada a um papel de reduzida aplicação prática e, não raras vezes, é mesmo olhada como uma figura indesejada por parte das entidades públicas credoras de tributos.
Abordando sumariamente a questão, o prazo de prescrição destas obrigações não levanta dúvidas. Basta ver que a Lei Geral Tributária dita que os impostos prescrevem no prazo de 8 anos (diferindo, no entanto, o início da contagem de tal prazo consoante a natureza do imposto que esteja em causa). Por seu turno, no que respeita às contribuições e cotizações para a Segurança Social, a Lei n.º 110/2009 prevê um prazo mais curto, situado nos 5 anos.
A centralidade da questão que ora cuidamos não está na definição dos prazos em si mesma. Está, isso sim, na forma como a Lei prevê que se faça a sua contagem. Com efeito, estão legalmente previstos uma série de factores interruptivos – os quais, verificados, fazem com que a contagem do prazo se (re)inicie, inutilizando o tempo entretanto ocorrido – a que se somam, ainda, factores suspensivos do prazo, os quais ditam que, pura e simplesmente, a contagem do prazo de prescrição fique imobilizada no tempo.
À dificuldade legislativa, soma-se o entendimento de que os Tribunais Administrativos e Fiscais têm sobre a prescrição. A título de mero exemplo, os Tribunais, na sua maioria, entendem que a citação de um devedor de prestações tributárias para um processo de execução fiscal interrompe o prazo de prescrição – isto é, faz com que a sua contagem se reinicie – e, ao mesmo tempo, suspende indefinidamente no tempo a contagem prazo de prescrição.
Implica este entendimento que, na prática, quem for executado por dívidas fiscais, apenas fica com duas formas de ver a obrigação extinta: ou por força do pagamento da dívida ou, eventualmente, caso não lhe sejam localizados bens penhoráveis, tenha de esperar 8 anos para a poder invocar a prescrição junto do órgão de execução fiscal.
Pense-se, agora, num executado que, por alguma infelicidade da vida, se veja devedor à AT de EUR. 5 000,00. Caso o seu salário seja penhorável em míseros EUR. 5,00 / mensais, nunca este hipotético devedor verá a sua dívida extinta. Por um lado, a contagem do prazo do prescrição, por força da penhora prolongada no tempo, nunca se chega a iniciar. Por outro, e ao mesmo tempo, dificilmente será a mesma penhora suficiente para pagar a dívida, principalmente quando a AT lhe somar as custas do processo e acrescidos.
Muitos dos mais reputados estudiosos desta matéria têm alertado, reiteradamente, contra este entendimento abusivo. Dizem eles – entendimento ao qual nós aderimos – que tal posição viola claramente o espírito da Lei e o próprio objectivo da prescrição como garantia dos contribuintes. No entanto, estes louváveis esforços têm sido manifestamente insuficientes para que se verificasse uma inversão das decisões judiciais e, muito menos, para alterar a posição que a AT tem quanto a matéria (assunto que será por nós abordado na próxima oportunidade).
Claro está que, aqui chegados, qualquer pessoa – jurista ou não – invariavelmente conclui que a previsão da prescrição no ordenamento jurídico está vetada a um papel absolutamente redutor da dimensão de que deveria gozar. Exigir a alteração deste status quo é mais que uma questão jurídica. É uma posição de rudimentar cidadania.